O Crente e o Cidadão
Este foi o título da Coluna “Coisas da Política”, do Jornal do Brasil de 23/10/2009, que tratou de um tema já amplamente debatido, mas, quem sabe, não valeria a pena requentar.
Depois de um arrazoado mais ou menos equânime, com disparos em todas as direções (ou religiões), o nosso articulista começa uma seqüência de conclusões que passo a comentar uma a uma, para não correr o risco de deixar escapar nenhuma dessas pérolas.
“Uma das grandes conquistas das repúblicas modernas é a separação entre as religiões e o estado. O Estado é constituído de cidadãos”. Até aí nada! Só faltou dizer que esse mesmo Estado é constituído de cidadãos que tem suas crenças e precisam ser respeitados na sua liberdade de crer da mesma forma que respeitamos o direito daqueles que não crêem. Isto verdadeiramente constitui um Estado laico e democrático, onde a laicidade não se confunde com o laicismo que obstinadamente pretende o abolimento de qualquer forma de crença. Inclusive a palavra laicismo foi empregada no texto como algo que não devesse ser desprezada. Tal afirmação é uma demonstração do desconhecimento do processo ocorrido no Brasil que, graças a Deus, culminou com a separação entre Igreja e Estado e também do artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos para não falar da Constituição Brasileira.
Outro raciocínio curioso, contido no texto afirma que o ensino religioso só seria importante para a formação dos cidadãos se, por exemplo, os mestres fossem autorizados a dizer aos alunos católicos como se comportou Torquemada durante a inquisição espanhola, os evangélicos explicassem como atuaram Calvino e seus seguidores, que a inquisição calvinista foi tão cruel quanto a católica, a noite de São Bartolomeu etc.
Ora, meus amigos, quem afirma que o ensino religioso nas escolas semearia conflitos religiosos como os da Irlanda, tem a coragem de propor programas desta natureza como condição para tal ensino, não sabe o que está afirmando.
Tão pouco sabe distinguir o ensino religioso, que é da área do conhecimento de catequese paroquial (âmbito da fé).
Tal ensino transmite aos alunos os conhecimentos sobre a identidade do cristianismo (para os católicos) e da vida cristã. Além disso, o Papa Bento XVI falando aos professores de religião indicou a exigência de ampliar os espaços de nossa racionalidade, reabri-las as grandes questões da verdade e do bem, unir entre si a teologia e a filosofia e as ciências no pleno respeito pelos seus próprios métodos e pela sua autonomia recíproca, mas também na consciência da unidade intrínseca que as conserva unidas.
E ainda mais... a dimensão religiosa, com efeito, é intrínseca ao fato cultural, contribui para a formação global da pessoa e permite transformar o conhecimento em sabedoria de vida.
Continua o Santo Padre: “para tal fim contribui o ensinamento da religião católica, como qual a escola e a sociedade se enriquecem de verdadeiros laboratórios de cultura e de humanidade habilita-se a pessoa a descobrir o bem e a crescer na responsabilidade, a procurar o confronto e a apurar o sentido crítico, a inspirar-se nos dons do passado para compreender melhor o presente e projetar-se conscientemente para o futuro” (discurso aos professores de religião, 25 de abril de 2009). Finalizo usando as palavras do Cardeal Zenon Brocholewski, prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica quando distingue ensino religioso da catequese: “O ensino religioso é diferente e complementar da catequese; por ser ensino escolar não requer a adesão da fé, mas transmite os conhecimentos sobre a identidade do cristianismo e da vida cristã. Além disso, enriquece a cultura e a humanidade”.
Gostaria de lembrar que a catequese (e nisso concordamos) deve ser tarefa dos pais e das Igrejas, pois propõe uma adesão pessoal (no caso dos cristãos) a Cristo, e o amadurecimento da vida cristã nos seus vários aspectos.
E quero deixar claro: sem identidade religiosa é impossível e utópico o diálogo.
A proposta do ensino religioso confessional e plural é justamente a de promover a partir do conhecimento da própria religião a descoberta da via do diálogo e do entendimento com outras expressões do crer que muito bem se referiu nosso articulista quando disse que “a idéia da transcendência do homem, pelo caminho da fé, é inseparável da história universal da espécie”.
Para concluir gostaria de convidar o prezado leitor a lançar um olhar crítico sobre a nossa realidade de violência social que já domina não só morros e comunidades carentes, mas famílias e até o próprio ambiente escolar.
Uma formação que descuide da dimensão religiosa e espiritual da pessoa humana jamais será integral.
Estaremos caminhando para um mundo mais desenvolvido científico e tecnologicamente e profundamente desumanizado, gerador de tantos descalabros, aos quais já nos acostumamos, por vivermos numa atmosfera cada vez mais contaminada pela violência.
O que de fato temos que evitar a todo custo são os contínuos ataques à liberdade e ao direito do cidadão de crer e se desenvolver harmoniosamente como gente que respeita o seu semelhante como imagem e semelhança de Deus, tenha ele a tonalidade que tiver nas diversas expressões religiosas.
Dom Edney Gouvêa Mattoso
Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Depois de um arrazoado mais ou menos equânime, com disparos em todas as direções (ou religiões), o nosso articulista começa uma seqüência de conclusões que passo a comentar uma a uma, para não correr o risco de deixar escapar nenhuma dessas pérolas.
“Uma das grandes conquistas das repúblicas modernas é a separação entre as religiões e o estado. O Estado é constituído de cidadãos”. Até aí nada! Só faltou dizer que esse mesmo Estado é constituído de cidadãos que tem suas crenças e precisam ser respeitados na sua liberdade de crer da mesma forma que respeitamos o direito daqueles que não crêem. Isto verdadeiramente constitui um Estado laico e democrático, onde a laicidade não se confunde com o laicismo que obstinadamente pretende o abolimento de qualquer forma de crença. Inclusive a palavra laicismo foi empregada no texto como algo que não devesse ser desprezada. Tal afirmação é uma demonstração do desconhecimento do processo ocorrido no Brasil que, graças a Deus, culminou com a separação entre Igreja e Estado e também do artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos para não falar da Constituição Brasileira.
Outro raciocínio curioso, contido no texto afirma que o ensino religioso só seria importante para a formação dos cidadãos se, por exemplo, os mestres fossem autorizados a dizer aos alunos católicos como se comportou Torquemada durante a inquisição espanhola, os evangélicos explicassem como atuaram Calvino e seus seguidores, que a inquisição calvinista foi tão cruel quanto a católica, a noite de São Bartolomeu etc.
Ora, meus amigos, quem afirma que o ensino religioso nas escolas semearia conflitos religiosos como os da Irlanda, tem a coragem de propor programas desta natureza como condição para tal ensino, não sabe o que está afirmando.
Tão pouco sabe distinguir o ensino religioso, que é da área do conhecimento de catequese paroquial (âmbito da fé).
Tal ensino transmite aos alunos os conhecimentos sobre a identidade do cristianismo (para os católicos) e da vida cristã. Além disso, o Papa Bento XVI falando aos professores de religião indicou a exigência de ampliar os espaços de nossa racionalidade, reabri-las as grandes questões da verdade e do bem, unir entre si a teologia e a filosofia e as ciências no pleno respeito pelos seus próprios métodos e pela sua autonomia recíproca, mas também na consciência da unidade intrínseca que as conserva unidas.
E ainda mais... a dimensão religiosa, com efeito, é intrínseca ao fato cultural, contribui para a formação global da pessoa e permite transformar o conhecimento em sabedoria de vida.
Continua o Santo Padre: “para tal fim contribui o ensinamento da religião católica, como qual a escola e a sociedade se enriquecem de verdadeiros laboratórios de cultura e de humanidade habilita-se a pessoa a descobrir o bem e a crescer na responsabilidade, a procurar o confronto e a apurar o sentido crítico, a inspirar-se nos dons do passado para compreender melhor o presente e projetar-se conscientemente para o futuro” (discurso aos professores de religião, 25 de abril de 2009). Finalizo usando as palavras do Cardeal Zenon Brocholewski, prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica quando distingue ensino religioso da catequese: “O ensino religioso é diferente e complementar da catequese; por ser ensino escolar não requer a adesão da fé, mas transmite os conhecimentos sobre a identidade do cristianismo e da vida cristã. Além disso, enriquece a cultura e a humanidade”.
Gostaria de lembrar que a catequese (e nisso concordamos) deve ser tarefa dos pais e das Igrejas, pois propõe uma adesão pessoal (no caso dos cristãos) a Cristo, e o amadurecimento da vida cristã nos seus vários aspectos.
E quero deixar claro: sem identidade religiosa é impossível e utópico o diálogo.
A proposta do ensino religioso confessional e plural é justamente a de promover a partir do conhecimento da própria religião a descoberta da via do diálogo e do entendimento com outras expressões do crer que muito bem se referiu nosso articulista quando disse que “a idéia da transcendência do homem, pelo caminho da fé, é inseparável da história universal da espécie”.
Para concluir gostaria de convidar o prezado leitor a lançar um olhar crítico sobre a nossa realidade de violência social que já domina não só morros e comunidades carentes, mas famílias e até o próprio ambiente escolar.
Uma formação que descuide da dimensão religiosa e espiritual da pessoa humana jamais será integral.
Estaremos caminhando para um mundo mais desenvolvido científico e tecnologicamente e profundamente desumanizado, gerador de tantos descalabros, aos quais já nos acostumamos, por vivermos numa atmosfera cada vez mais contaminada pela violência.
O que de fato temos que evitar a todo custo são os contínuos ataques à liberdade e ao direito do cidadão de crer e se desenvolver harmoniosamente como gente que respeita o seu semelhante como imagem e semelhança de Deus, tenha ele a tonalidade que tiver nas diversas expressões religiosas.
Dom Edney Gouvêa Mattoso
Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro
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