sábado, 10 de julho de 2010

A oração da Ave-Maria

Cardeal Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

Uma das orações católicas mais populares é a Ave-Maria. Todos rezamos o Terço, por vezes o Rosário inteiro, mas, nem sempre, meditamos sobre o conteúdo desta oração. Por isso, tomei a peito adentrar um pouco sua profundidade.

Sabemos que a oração mais importante do Rosário, é o Pai-Nosso, no qual Cristo resume toda a doutrina do Reino de Deus. A seguir, o Glória proclama o mistério trinitário, e a Ave-Maria celebra o centro do Mistério da Encarnação.

A saudação angélica consta do Evangelho de Lucas, quando o anjo Gabriel foi enviado à Virgem de Nazaré, chamada Maria. Ela estava, certamente, em oração, e o anjo a saúda: “Alegra-te, Maria”. Esta era uma saudação profética em Israel, dirigida a personalidades ilustres, quando recebiam grandes missões. Alegra-te: é o prenúncio de que estão em jogo grandes coisas por acontecer (cf. Lc 1,21ss).

Logo depois, vem assinalado o motivo dessa alegria: “Alegra-te, porque és cheia de graça”. “Cheia de graça” é o título da plenitude: Maria recebera tanta graça quanta era cabível em uma criatura humana. E é nessa plenitude de graça que se radicam os grandes dogmas do culto mariano. Em Maria, evidencia-se a ação plena de Deus, com a colaboração de sua aquiescência humana.

“O Senhor está contigo”. Esta é outra fórmula usual, que também se encontra no chamado de Deus a Moisés (cf. Ex 3,12), assim como a outras personalidades da Antiga Aliança, que receberam de Deus missões difíceis. E, assim, o anjo Gabriel diz a Maria: “O Senhor está contigo”. E ela se assusta, pergunta e titubeia, não sabe do que se trata. E o anjo continua, dizendo-lhe que ela seria a Mãe do Messias: “Eis que conceberás e darás à um luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,31-33). Não se sabia, então ainda, que o Messias seria Deus. Isto foi revelado somente mais tarde, pelas palavras e pelas obras do próprio Cristo.

Diante da saudação e da proposta que lhe são apresentadas, Maria, finalmente, aceita. Não porque já compreendesse tudo, mas porque vem da parte de Deus: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Essa disponibilidade era necessária, para que Jesus pudesse entrar na nossa história, reconduzindo-nos ao primigênio plano do amor de Deus. Naquele momento, começa a restauração da humanidade.

Isabel completa a saudação do anjo: “Tu és bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,42). A introdução do termo “mulheres” foi muito oportuna, acentuando a dignidade feminina, porque as mulheres quase não eram consideradas em Israel. Mas a saudação teve um motivo teológico. Maria ia ser a Mãe do Salvador, o Filho de Deus: “Bendito é o fruto do teu ventre”. Reconhecendo-se como serva, acolhe a grandeza da maternidade, como puro dom de Deus: “porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1,49), conforme ela cantará no seu Magnificat.

Chegamos à segunda parte da Ave-Maria, composta pela Igreja. “Santa Maria, Mãe de Deus”: “santo” significa tudo o que é separado do profano, reservado, escolhido entre todos. Maria foi toda consagrada a Deus, para ser o vaso insigne, que acolheria a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo de Deus. Ser sua Mãe é a fonte de todas as glórias de Maria.

Ele veio ao mundo com o nome de Jesus, que significa “Deus salva”. Como Verbo de Deus, possui a natureza divina desde sempre. Encarnando, assume a natureza humana, que Maria lhe oferece, como instrumento de colaboração para a Redenção da humanidade, e nunca mais a depõe. Portanto, em sua Pessoa divina há duas naturezas: a divina e a humana. Por isso ela é Mãe de Deus. Esta é uma afirmação dogmática, declarada no ano 431, pelo Concílio de Éfeso, e festejada pelo povo nas ruas daquela cidade.

A parte final da Ave-Maria esclarece seu papel junto a nós: “Rogai por nós, pecadores”. Maria nunca teve que lamentar um remorso, nunca sentiu sofrimentos psicológicos, por ter feito algo que não estivesse de acordo com a vontade de Deus. Portanto, não entra no rol de pecadores e pecadoras. Ela pertence, sim, à humanidade pecadora, mas foi preservada pela força da redenção de Cristo, antecipadamente projetada sobre ela. É o que afirma o dogma da Imaculada Conceição.

Além de ser toda santa, pura e imaculada, é, também, a Mãe das misericórdias. Embora nunca tenha experimentado o pecado, como Mãe é capaz de nos entender, nos momentos em que sentimos o peso da nossa miséria. E, nessa hora, é preciso que ela intervenha. “Rogai por nós pecadores”.

Então, acrescentamos: “Agora”: “Rogai por nós pecadores, agora...”, significando o único momento que, propriamente, temos, pois o antes já se foi, e o amanhã ainda não veio. Esse “agora” é encontrável, muitas vezes, na Bíblia, em expressões como: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz [de Deus] (Sl 94[95]); “Animai-vos mutuamente cada dia durante todo o tempo compreendido na palavra hoje (Hb 3,13). E Cristo fala, diversas vezes: “A minha hora ainda não chegou (Jo 2,4); “Pai, é chegada a hora” (Jo 17,1), referindo-se à Redenção dolorosa da humanidade, que Ele iria realizar.

De agora em agora, chegará o momento da nossa morte. “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”. Esta é a hora que nada poderá reter. Melhor é estar bem leve, desapegado de tudo, até de nossos entes queridos, embora chorem de saudade por nós.

Minha mãe, prestes a deixar este mundo, dizia: “Meu filho, não adianta. Quando Deus me atrair, mais do que vocês me podem reter, eu irei”. De fato, nem os mais sagrados laços de parentesco podem deter aqueles que são chamados ao encontro transcendente. Resta-nos acolher o desígnio divino com serenidade, na certeza de que Maria, ouvindo nosso pedido, estará intercedendo por nós, no momento final e terminal.

Procuremos, daqui por diante, rezar bem todas as Ave-Marias, pontualizando palavra por palavra, invocação por invocação. E Maria, em cada uma, vai estar presente com a sua atuação de Mãe, Mãe de Jesus e nossa Mãe.

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