quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Renovação: evolução sectária ou eclosão primaveril
Este fim de milênio está marcado – iluminado – pela emergência de novos movimentos e correntes de renovação batismal, que estão em vias de rejuvenescer a Igreja pelo interior, de torná-la mais transparente aos olhos de seu Senhor, mais luminosa da luz do Espírito e, portanto, mais próxima dos pequenos e dos pobres, aos quais ela ousa dizer: O Reino está aí, em vós!
Admirável, imprevisível resposta do Espírito Santo às ondas sucessivas de secularismo mundano, de liberalismo teológico, de relativismo moral e de religiosidade pagã que pareciam querer varrer a Igreja, como outrora o Islã ou o que se convencionou chamar de Luzes.
Abrem-se aqui as fontes que saciam a sede daqueles que morrem de sede em nosso mundo desértico.
Levanta-se aqui uma geração inesperada de padres, missionários, apóstolos com o coração de fogo, que confessam sua fé com a vida: aqueles dos últimos tempos.
Nascem aqui comunidades novas, verdadeiros laboratórios do mundo de amanhã.
Forjam-se aqui os jovens precursores que preparam o ano 2000.
Formam-se os pais e portanto as famílias que farão da Igreja do terceiro milênio a vasta família das famílias.
Em suma: aqui sobe silenciosamente a seiva – promessa e já realidade – da primavera da Igreja, da qual os primórdios deste terceiro milênio verão a plena florescência. Independentemente do que digam ou pensem os profetas de desgraça.
De onde vem tal certeza? Do simples fato de que a verdade termina sempre por prevalecer sobre a mentira, e a aurora sobre as trevas, por mais densas que sejam. E por quê? Simplesmente porque Deus continua a ser Deus, e Deus será sempre Deus. Independentemente do que digam ou pensem os eternos resmungões.
Isso, ninguém melhor do que os nossos últimos papas o pressentiram. Ouvir-se-á ressoar aqui a alegria deles, beirando o entusiasmo. E como os verdadeiros pastores não deveriam com isso se alegrar, confortar-se e consolar-se em seu coração de pais?
Participando dessa grande primavera eclesial e fazendo-a acontecer, todas essas eclosões eclesiais católicas irradiam sobre uma multidão1.
Esses novos movimentos espirituais – como Roma os denomina – são, de fato, a genial réplica do Espírito Santo diante da maré baixa do espiritualismo pagão que invade o Ocidente. São esses movimentos que atendem plenamente aos reclamos dos místicos, de comunidades calorosas e fraternais, das quais seitas e religiões do extremo Oriente são a expressão.
Novos movimentos, mas também fundações novas, de tipo mais clássico, nas quais o antigo é restituído de maneira inteiramente nova2.
Essa ampla gama de novos movimentos-correntes-fundações não é o equivalente para os dias atuais da variedade das ordens e congregações religiosas, cada qual com sua espiritualidade própria? Essa esplêndida variedade, que respeita e acolhe diversas sensibilidades, é uma das mais belas riquezas da Igreja de hoje.
Como não dar graças por isso? E não exultar?
No decurso de meus “giros apostólicos” (já perto de 150) pelo mundo, fico encantado com sua eclesialidade, sua vitalidade, sua beleza...
Já há quinze anos, a serviço dos jovens, e encontrando-me com eles, nas primeiras fileiras, no combate da Verdade, tive a felicidade de estabelecer laços regulares com a maioria desses grandes movimentos, como também com um bom número de novas fundações.
Mas, não podendo tratar de todas elas aqui, limitar-me-ei a uma das emergências mais características dessa vasta “florescência carismática” (João Paulo II em Compostela): a Renovação no Espírito Santo, ou carismática, que eu prefiro chamar batismal ou pentecostal3.
Por conhecê-lo a partir de dentro, será essencialmente dele que tratará este livro. Seu interior, embora seja difícil falar dele, representa por si só uma verdadeira constelação na galáxia dos novos movimentos, dos quais não se pode jamais separá-lo. Pois a Renovação não tem nada de monolítica, e a variedade das diferentes comunidades ou expressões culturais permite também, aqui, atender a diferentes sensibilidades. Essas expressões tão variadas manifestam a inesgotável criatividade do Espírito Santo.
Do lado católico, o big-bang original explodiu há cerca de trinta anos, com o núcleo que foi o grupo-protótipo da Universidade Duquenese, em fevereiro de 1967. Constituiu imediatamente um rastro de pó fulgurante, como nenhum outro movimento contemporâneo. Trinta anos mais tarde, embora aqui e ali ele pareça dar sinais de sufocação, pedindo um novo sopro – uma renovação da Renovação! -, está, em geral, em plena expansão4.
ATACADA MARGINALIZADA, SOB SUSPEITA...
Sem dúvida, por isso a Renovação é regularmente vítima de ataques agressivos ou de manobras insidiosas que visam desacreditá-la, quando não eliminá-la da paisagem eclesial, da qual agora faz parte integral, após trinta anos de existência. Ataques e manobras provenientes às vezes de não-cristãos – que por isso mesmo só vêem as coisas do exterior -, porém mais freqüente – e isso é mais doloroso – de certos católicos...
Compreendidas por Roma desde seus primórdios, progressiva e globalmente bem-assumidas pelos bispos, pouco a pouco acolhidas com simpatia pelas correntes tradicionais – que, após um compreensível espanto, conseguiram distinguir o essencial -, essas novas correntes continuam, por outro lado, a ser marginalizadas, desprezadas, quando não rejeitadas por aqueles mesmos que – globalmente – desconfiam da hierarquia ou recusam as posições doutrinais do papa. De onde vem certo risco de divisão no interior da Igreja católica.
Essa estranha alergia à Renovação se deve com freqüência a essas etiquetas aparentemente indeléveis – mais tatuagens que decalcomanias! – que são coladas na Renovação, a partir de alguns slogans que datam de um quarto de século e que nunca ninguém se deu ao trabalho de rever. Na França, tais etiquetas contribuíram para “marginalizar” a Renovação, para considerar seus membros como párias ou cidadãos de segunda classe, tendo direito de cidadania apenas em algumas paróquias (por certo, ninguém confessará isso!). Na eventualidade de alguma paróquia recebê-los nessas condições!
Muitas coisas ditas aqui poderiam também ser aplicadas – mutatis mutandis – a outras “correntes primaveris” da Igreja, que não pretendo de modo algum subestimar. Muito ao contrário!
Atualmente, estamos diante de uma recrudescência desses ataques, particularmente na França, mas também na Alemanha e na Itália: campanha orquestrada ou simples coincidência?5 Não se ouviu na França, no noticiário do meio-dia de uma cadeia nacional de TV, a afirmação categórica, sem a menor retificação: “O totalitarismo e o sectarismo são componentes da Renovação”?
Tais críticas acerbas emanam de grupos-pessoas que, em razão de certas opções ideológicas, têm muita dificuldade para entender um fervor batismal, uma fidelidade eclesial, um dinamismo caritativo e missionário que parecem incomodá-los. Eles parecem ter dificuldade em aceitar na Igreja um pluralismo de espiritualidades e de opções pessoais que elogiam alhures. Além disso, não raro se aferram a clichês que caducaram ao longo dos anos, sem se dar ao trabalho de um mínimo de informações objetivas e atualizadas.
Elas vêm também de pessoas decepcionadas ou feridas por esta ou aquela comunidade ou grupo de oração e que sentem a necessidade ou o dever de alcançar o grande público. Com o risco – inerente a esse gênero de operação – de serem recuperadas por grupos de pressão que, para incriminar a própria Igreja, vão “utilizar o sofrimento de uns e a calúnia de outros”.
Que milhões de fiéis pelo mundo afora seja assim desprezados diante de milhões de cidadãos: esse excesso é por demais prejudicial! Não se pode permitir passivamente que a verdade mais evidente seja publicamente escarnecida. Aqui, passivamente seria sinônimo de covardia. Ou ainda pior: de silenciosa cumplicidade.
Diante de tais infrações à verdade, que lançam perplexidade e suspeita sobre uma multidão de inocentes, não se tem o direito de ficar calado! Diante de tantas pessoas, especialmente de jovens – junto aos quais exerço meu ministério –, em que uma dúvida grave pode ser semeada, como ficar passivo?
Além disso, por que será necessário que tudo passe assim pelo crivo implacável da suspeita psicanalítica?6 Tudo parece suspeito e, portanto, perigoso. Ainda que em qualquer campo possa haver riscos de erro, por que é preciso que tudo na vida cristã seja sistematicamente objeto de suspeita, de desprezo? Em última análise, de condenação...
Submetida a tais critérios, toda a vida consagrada e toda a vida simplesmente cristã – estritamente evangélica e, além disso, fervorosa – deveria ser condenada. Não haverá nenhum ideal que funcione sem se desviar de seu objetivo? Nenhum valor seguro? Nenhuma certeza possível? Nenhum ponto de referência evidente? Nenhum porto seguro em tempos de tempestades?
Não, isso não é religiosamente correto. Isso é exagero, foge das normas que a sociedade deve respeitar...
Pretende-se criar uma Igreja de puros, onde até mesmo o direito ao erro é proibido? Pretende-se arrancar o trigo junto com o joio?
Manchas, falhas, excessos, é certo que existem! Que rio não carrega detritos para suas margens? Deve-se secá-lo por causa disso? Perigos, ilusões, ciladas, é certo que existem! A oração e a ação também não comportam isso? Será preciso, por causa disso, abster-se delas?
Pretende-se desesperar um jovem em sua busca de beleza, de pureza, do absoluto? Frustrá-lo em sua necessidade de radicalidade, de verdade, de gratuidade? Quebrá-lo em seu impulso em direção aos cumes?
Nada solapa tanto as razões de viver de um jovem quanto essa mania destrutiva da ironia, do sarcasmo, da caricatura. Quando não da calúnia: como pedradas no corpo da Igreja!
Por outro lado, na psicose atual das seitas – até a fobia –, tratar a Renovação como seita é de extrema gravidade.
Pois é preciso saber o seguinte: uma definição de “seita” formulada por deputados da Grã-Bretanha no Parlamento europeu permite facilmente englobar nessa definição todas as comunidades das diferentes ordens e congregações católicas7. Se tal definição é aprovada, não importa que governo de tipo totalitário poderá fazer fechar, da noite para o dia, todas as comunidades católicas. Como em 1902.
Eis o risco: hoje as novas comunidades. Amanhã, beneditinos, carmelitas, clarissas!
Entende-se ainda mais a urgência que há em esclarecer as coisas. Tomando aqui a defesa enérgica das novas comunidades da Renovação, protege-se no mesmo ato e de antemão as mais antigas.
Mas tudo isso é bom sinal: prova ao menos que esses movimentos estão bem vivos e vão de vento em popa! Caso fossem galhos rachados, se zombaria deles!8

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1. Focolari, Neocatecumenato, Encontro de Casais com Cristo, Cursilhos, Comunhão e Libertação, Renovação carismática, para não falar em Taizé (um dos primeiros irmãos sendo um amigo de infância, encontramo-nos em Ruanda para ali criar a primeira comunidade monástica mista, católicos-protestantes).
2. Irmãozinhos e irmãzinhas de Belém, de São João, de São Domingos (o Cordeiro), Comunhão de Jerusalém, Maria-Rainha Imaculada, para me ater tão-só à França. Alhures: Villaregia (Itália); Tiberíades (Bélgica), Comunidade monástica da Cruz (Quebec) etc. Foi uma emoção para mim tornar a ver aí com freqüência jovens reencontrados alguns anos antes, quando dos retiros-reuniões, ou recém-integrados à Jeunesse-Lumière (cf. p. 54, as comunidades saídas diretamente da Renovação).
3. O aspecto carismático propriamente dito é uma das dimensões realçadas pela Renovação. Ao emprega-lo, é preciso deixar claro que ele não monopoliza mais a dimensão carismática de toda a Igreja e de toda a vida batismal, assim como o epíteto católica não é monopolizado pela Ação chamada católica. Isto é evidente: toda a vida cristã deve ser carismática e pentecostal sob pena de não ser cristã!
4. As estatísticas publicadas por diferentes instâncias oficiais estabelecem geralmente 60 milhões de católicos renovados (7% dos 890 milhões). Na França, entre 150 e 200 mil pessoas, em aproximadamente mil grupos de oração. Uma pesquisa revela: “As comunidades carismáticas francesas figuram entre os raros movimentos católicos em franca expansão nos últimos quinze anos” (Le Point, 14 de setembro de 1996).
5. Na Itália: Les Sectes du Pape; na França: Les Naufragés de l’Esprit, Des sectes dans l’Eglise catholique. Como aceitar – sem o menor matiz – uma expressão tão radical quanto esta: “Desde o início, a manipulação das consciências constituiu um dos traços estruturais dominantes da Renovação” (Les Naufragés de l’Esprit, p. 282).
6. Ver exemplos no anexo 1.
7. Ver Anexo 2: “Quem escapará da acusação de seita?” D. JEAN VERNETTE, que participa de numerosos colóquios internacionais, nos comunicava recentemente a surpresa dos não-franceses diante dessa espécie de “caça às bruxas”no país dos Direitos Humanos.
8. Do mesmo modo, precedendo sua recente vinda à França, as campanhas de calúnias contra o papa manifestavam que ele não passava de um pobre velho senil. Por que tal agressão da mídia, tornando a França semelhante a um país ocupado? Com efeito, esse desencadear de agressões rançosas só serviu à popularidade do papa. Muitas pessoas ficaram tão desgostosas com isso que desligaram o televisor e afluíram a Sainte-Anne, Tours e Reims – Nas condições de cansaço que se conhece: “É demais! Nós o amamos! E, como não temos acesso às redes de televisão e aos microfones, só nos restam nossos pés e nossa alegria para dize-lo, e prova-lo!” E eis cerca de 700.000 pessoas envolvendo-o com a sua presença entusiasta e orante!
Do livro “A Renovação, primavera da Igreja!”,
de Daniel Ange, Edições Loyola

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