terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Formaçao (O Crente e o Cidadão)



O Crente e o Cidadão


Este foi o título da Coluna “Coisas da Política”, do Jornal do Brasil de 23/10/2009, que tratou de um tema já amplamente debatido, mas, quem sabe, não valeria a pena requentar.

Depois de um arrazoado mais ou menos equânime, com disparos em todas as direções (ou religiões), o nosso articulista começa uma seqüência de conclusões que passo a comentar uma a uma, para não correr o risco de deixar escapar nenhuma dessas pérolas.

“Uma das grandes conquistas das repúblicas modernas é a separação entre as religiões e o estado. O Estado é constituído de cidadãos”. Até aí nada! Só faltou dizer que esse mesmo Estado é constituído de cidadãos que tem suas crenças e precisam ser respeitados na sua liberdade de crer da mesma forma que respeitamos o direito daqueles que não crêem. Isto verdadeiramente constitui um Estado laico e democrático, onde a laicidade não se confunde com o laicismo que obstinadamente pretende o abolimento de qualquer forma de crença. Inclusive a palavra laicismo foi empregada no texto como algo que não devesse ser desprezada. Tal afirmação é uma demonstração do desconhecimento do processo ocorrido no Brasil que, graças a Deus, culminou com a separação entre Igreja e Estado e também do artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos para não falar da Constituição Brasileira.

Outro raciocínio curioso, contido no texto afirma que o ensino religioso só seria importante para a formação dos cidadãos se, por exemplo, os mestres fossem autorizados a dizer aos alunos católicos como se comportou Torquemada durante a inquisição espanhola, os evangélicos explicassem como atuaram Calvino e seus seguidores, que a inquisição calvinista foi tão cruel quanto a católica, a noite de São Bartolomeu etc.

Ora, meus amigos, quem afirma que o ensino religioso nas escolas semearia conflitos religiosos como os da Irlanda, tem a coragem de propor programas desta natureza como condição para tal ensino, não sabe o que está afirmando.

Tão pouco sabe distinguir o ensino religioso, que é da área do conhecimento de catequese paroquial (âmbito da fé).

Tal ensino transmite aos alunos os conhecimentos sobre a identidade do cristianismo (para os católicos) e da vida cristã. Além disso, o Papa Bento XVI falando aos professores de religião indicou a exigência de ampliar os espaços de nossa racionalidade, reabri-las as grandes questões da verdade e do bem, unir entre si a teologia e a filosofia e as ciências no pleno respeito pelos seus próprios métodos e pela sua autonomia recíproca, mas também na consciência da unidade intrínseca que as conserva unidas.

E ainda mais... a dimensão religiosa, com efeito, é intrínseca ao fato cultural, contribui para a formação global da pessoa e permite transformar o conhecimento em sabedoria de vida.

Continua o Santo Padre: “para tal fim contribui o ensinamento da religião católica, como qual a escola e a sociedade se enriquecem de verdadeiros laboratórios de cultura e de humanidade habilita-se a pessoa a descobrir o bem e a crescer na responsabilidade, a procurar o confronto e a apurar o sentido crítico, a inspirar-se nos dons do passado para compreender melhor o presente e projetar-se conscientemente para o futuro” (discurso aos professores de religião, 25 de abril de 2009). Finalizo usando as palavras do Cardeal Zenon Brocholewski, prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica quando distingue ensino religioso da catequese: “O ensino religioso é diferente e complementar da catequese; por ser ensino escolar não requer a adesão da fé, mas transmite os conhecimentos sobre a identidade do cristianismo e da vida cristã. Além disso, enriquece a cultura e a humanidade”.

Gostaria de lembrar que a catequese (e nisso concordamos) deve ser tarefa dos pais e das Igrejas, pois propõe uma adesão pessoal (no caso dos cristãos) a Cristo, e o amadurecimento da vida cristã nos seus vários aspectos.

E quero deixar claro: sem identidade religiosa é impossível e utópico o diálogo.

A proposta do ensino religioso confessional e plural é justamente a de promover a partir do conhecimento da própria religião a descoberta da via do diálogo e do entendimento com outras expressões do crer que muito bem se referiu nosso articulista quando disse que “a idéia da transcendência do homem, pelo caminho da fé, é inseparável da história universal da espécie”.

Para concluir gostaria de convidar o prezado leitor a lançar um olhar crítico sobre a nossa realidade de violência social que já domina não só morros e comunidades carentes, mas famílias e até o próprio ambiente escolar.

Uma formação que descuide da dimensão religiosa e espiritual da pessoa humana jamais será integral.

Estaremos caminhando para um mundo mais desenvolvido científico e tecnologicamente e profundamente desumanizado, gerador de tantos descalabros, aos quais já nos acostumamos, por vivermos numa atmosfera cada vez mais contaminada pela violência.

O que de fato temos que evitar a todo custo são os contínuos ataques à liberdade e ao direito do cidadão de crer e se desenvolver harmoniosamente como gente que respeita o seu semelhante como imagem e semelhança de Deus, tenha ele a tonalidade que tiver nas diversas expressões religiosas.


Dom Edney Gouvêa Mattoso
Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro

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