quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A Sagrada Família como modelo

As celebrações natalinas chamam a atenção, de maneira eloquente, para a Família. A extraordinária lição que nos vem da manjedoura de Belém nos apresenta a vida que nasce em um lugar bem constituído. O calendário litúrgico inclui, nesta época do ano, a festa da “Sagrada Família, Jesus, Maria e José”, onde as virtudes que servem de ordenamento e alicerce à Instituição são devidamente exaltadas. Podemos citar Paulo VI, que em seu Discurso na cidade de Nazaré, em 5 de janeiro de 1964, afirmou: “Nazaré é a escola onde se começa a entender a vida de Jesus, onde se inicia o conhecimento de seu Evangelho”.

Nas palavras do Papa Bento XVI, também com esta festa “fixamos o olhar em Jesus, Maria e José, e adoramos o mistério de um Deus que quis nascer de uma mulher, a Virgem Santa, e entrar neste mundo pelo caminho comum a todos os homens. Fazendo assim, santificou a realidade da família, enchendo-a da graça divina e revelando plenamente a sua vocação e missão”. E continua o Santo Padre: “o Concílio Vaticano II dedicou grande atenção à família. Os cônjuges são um para o outro e para os filhos testemunhas da fé e do amor de Cristo (cf.LG, n.35). A família cristã participa assim da vocação profética da Igreja: com o seu modo de viver ‘proclama em voz alta as virtudes presentes do reino de Deus e a esperança da vida bem-aventurada’ (cf. ibid.). Por isso a Igreja está comprometida na defesa e promoção ‘da dignidade natural e do altíssimo valor sagrado’ do matrimônio e da família" (ibid.) (“Angelus de 30 de dezembro de 2007).

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina: “A comunidade conjugal está fundada no consentimento dos esposos. O casamento e a família estão ordenados para o bem dos esposos e a procriação e a educação dos filhos”. Independentemente da crença religiosa, aí está a célula que dá origem à sociedade. A lei natural coloca assim, acima das disposições legais do Estado, esse conceito originário da convivência entre os homens. À autoridade humana compete não somente respeitar esse princípio básico do bem-estar coletivo, mas também é seu dever protegê-lo.

Os direitos políticos de cada pessoa, vinculados ao exercício da cidadania, devem ser devidamente amparados pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Segundo a competência de cada um, todos os esforços convergem, portanto, para a família. Caso contrário, atraiçoam a missão de que se encontram investidos em favor do bem comum.

A dignidade humana tem suas raízes na liberdade que nos torna semelhantes a Deus. Segundo o uso que fizermos desse dom divino, nossos atos serão bons ou maus. Somos, assim, responsáveis pelo nosso comportamento e dele daremos contas ao Pai. Durante nossa existência, constantemente, é posto à prova o reto uso do livre arbítrio, e a convivência doméstica a isso não foge.

Deus estabeleceu a comunidade conjugal e, entre seus deveres, está a geração dos filhos. Lemos no Gênesis (1,28): “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos’”. Ora, isso só poderá ocorrer através do ato sexual. Atribuir-lhe o pecado de Adão e Eva revela pobreza de raciocínio. Também mostra ignorância quem afirma ser a geração da prole a única finalidade dessa união. Aberto à vida, esse relacionamento entre o homem e a mulher, no Matrimônio, é algo nobre e santificador. Diz o Código de Direito Canônico: “A aliança matrimonial (...) é ordenada, por sua índole natural, ao bem dos cônjuges, à geração e educação da prole”.

No entanto, assistimos, em graus diferentes, a constante e crescente ofensiva que tenta destruir a Família. A raiz está na busca do prazer a qualquer preço. As obrigações com os dependentes são postas em segundo plano e rompem-se os compromissos conjugais assumidos diante de Deus. O drama dos menores abandonados passa por lares desfeitos. O estímulo ao sexo livre, por vezes, vem indelevelmente manchado pelo sangue dos fetos abortados. Difunde-se a loucura de legalizar “famílias paralelas”. Diante de tantos problemas deste país, muitos dos nossos políticos se especializaram nesse campo. E não estão sozinhos...

Por outro lado, continua a destruição dos valores morais, essa trilha infeliz que nos leva ao precipício. A esse respeito falou o Papa Bento XVI aos Bispos do Brasil, dos Regionais Nordeste 1 e 4, em visita “ad limina”, a 25 de setembro deste ano: “A família está assentada no Matrimônio como instituição natural confirmada pela lei divina. Pondo em questão tudo isto, há forças e vozes na sociedade atual que parecem apostadas em demolir o berço natural da vida humana (...). Enquanto a Igreja compara a família humana com a vida da Santíssima Trindade – primeira unidade de vida na pluralidade das pessoas – e não se cansa de ensinar que a família tem o seu fundamento no matrimônio e no plano de Deus, a consciência difusa no mundo secularizado vive na incerteza mais profunda a tal respeito, especialmente desde que as sociedades ocidentais legalizaram o divórcio”.

Esse contraste merece uma reflexão maior e uma escuta atenta ao convite do Santo Padre: “Para ajudar as famílias, exorto a propor-lhes, com convicção, as virtudes da Sagrada Família: a oração, pedra angular de todo lar fiel à sua própria identidade e missão; a laboriosidade, eixo de todo matrimônio maduro e responsável; o silêncio, cimento de toda a atividade livre e eficaz, pois nos ensina o recolhimento e a interioridade, conduzindo-nos à vida de oração (cf. Paulo VI, ibidem). Tenho confiança no testemunho daqueles lares que tiram as suas energias do sacramento do matrimônio. É a partir de tais famílias que se há de restabelecer o tecido da sociedade.


Cardeal Eugenio de Araujo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

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